domingo, 7 de dezembro de 2008

um testemunho

Tomo a liberdade de passar para aqui um texto que me foi deixado, em comentário, por Alien8, e que agradeço

AS MASSAS

Estava-se em plena crise académica, multiplicavam-se as acções de contestação à asfixia das universidades e ao regime fascista (não sou de meias palavras...), eram frequentes as assembleias de faculdade realizadas, necessariamente, à socapa. Numa dessas assembleias, enquanto se avançavam propostas de luta, um grupo de estudantes lembrou-se, sem mais nem menos, de propor que se acabasse ali mesmo a reunião que, segundo eles, não fazia sentido, e que as massas fossem imediatamente boicotar a aula, que decorria, de um catedrático facho, daqueles mesmo ultras.

Combati a ideia como pude. Que era inútil, inconsequente, que havia coisas importantes a tratar, decisões a tomar, rumos a definir... Qual quê! Não me valeu de nada, nem a quem se pronunciara no mesmo sentido. A proposta do boicote da aula foi aprovada por maioria.

Um dos proponentes, por sinal meu amigo, que isto de amizades não tem necessariamente a ver com posições políticas (e, de resto, estávamos, no essencial, do mesmo lado), declarou, muito satisfeito consigo próprio: “Colega Alien (digamos assim...), como vês, as massas não estão contigo. As massas estão fartas de conversa e de planos e querem acção imediata!”.

Muito bem. Decisão tomada, avançámos todos em direcção à aula do fulano, a fim de a boicotar. A meio do caminho, o já referido colega abordou-me discretamente: “Colega Alien (digamos assim...), quando entrarmos na sala, importas-te de seres tu a falar, que eu já estou muito queimado?"
Sorri, pensando com os meus botões que, em matéria de queimaduras, mal sabia o meu colega e amigo que nem me chegava aos calcanhares...Mas a resposta saíu-me rápida, e não resisti:
“Colega, não te preocupes! As massas decidiram o boicote, as massas querem acção imediata, as massas hão-de falar!”

Entrámos na sala e, claro, ninguém abriu o bico. O professor não se deu por achado e fez de conta que não tinha entrado ninguém. Continuou a dar a aula até ao fim, sem que se verificasse a mínima interrupção, o mais pequeno gesto de protesto.

Pois é, isto das massas e da acção espontânea tem muito que se lhe diga... »

*




Alien, mais uma vez - e permita que o cite- «no essencial estamos de acordo».

Mas ousaria acrescentar um pormenor: é que eu acho que «as massas» são acéfalas!

Creio que é por isso que sofro de agorafobia....

4 comentários:

  1. ... e não resisto a deixar-lhe um exemplo do contrário do seu testemunho: Era uma vez uma ministra de educação, déspota e que nada entendia de educação; ainda por cima, andava muito mal aconselhada pelos secretários, gente «tachuda». Vai daí, a ministra desatou a fazer disparates e a colocar em causa a escola pública (O.K., na óptica dela não eram disparates pois ela queria mesmo acabar com a escola pública). @s professor@s mobilizaram-se e mostraram o seu descontentamento. Como isto se passou num país democrático, as negociações ficaram a cargo dos dirigentes sindicais. E os dirigentes sindicais assinaram, ordeiramente, um acordo que permitia arranjar mais uns tachos para os boys e que em nada satisfazia as reivindicações das bases....

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  2. Prof,

    Muito obrigado pelas honras de post que deu ao meu texto. As massas são uma coisa muito complicada. Nem sempre acéfalas, como a sua resposta poderá demonstrar. Mas... pensando bem, e sempre de acordo no essencial... será mesmo que a sua resposta ilustra o contrário do meu testemunho? É uma questão de perspectiva, já que quem dirigiu (e ganhou) a assembleia de que falei e a consequente (salvo seja) luta não foram "as massas", mas quem em nome delas falou. Com o resultado descrito :)

    O importante é que os professores, "classe" a que muito me orgulho de ter pertencido, consigam os seus objectivos.

    Muito obrigado, de novo.

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  3. tem razão, alien... já era tarde e eu não alinhavei o discurso. No caso dos professores, eu acho que eles mostraram bem não ser acéfalos. No caso das suas massas, acho que foram.
    Assisti a coisas incríveis, nos tempos de faculdade... mas a malta era jovem, muito jovem...
    Sobretudo depois do 25 de Abril, fez-se muito disparate por falta de cultura política. Por falta do tal SABER.
    (enganei-me no copy/paste; ficou ainda um pouco do seu comentário e não fiz a edição de texto. Vamos ver se tiro um bocado para corrigir).
    abraço

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  4. Prof,

    Obrigado por ter alindado o meu texto :)
    Diz muito bem, fizeram-se muitas asneiras, coisas incríveis. Éramos novos, e isso explica muito. Fomos aprendendo com os erros. Ou não...

    Um abraço para si.

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